A cada hora, um roubo e meio de cargas acontecem nas estradas brasileiras. Essa é a realidade do setor de transporte de cargas rodoviárias do país, responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e que movimenta 2/3 da carga total. Somente em 2009, mais de R$ 900 milhões foram perdidos em mercadorias.
Para o presidente da Associação Brasileira de Logística e Transporte de Cargas (ABTC), Newton Gibson, o cenário poderia ser outro. Segundo ele, se as empresas não revendessem mercadorias roubadas, a quantidade de assaltos diminuiria significativamente. “No momento da sanção, o presidente da República eliminou um artigo que determinava que fossem confiscados produtos encontrados sem nota fiscal em armazéns ou depósitos”, reclamou Gibson, referindo-se ao Projeto de Lei Complementar 121, também chamado de Lei Negromonte. “Isso acaba estimulando o roubo de cargas”, assegurou.
Sancionada em 2006, a lei cria o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos, que articula a ação das polícias e dos órgãos fazendários, federais e estaduais por meio da criação de um banco de dados. Tambem exige que o fabricante identifique, na nota fiscal, o lote e a unidade do produto transportado, entre outras ações. Para que seja aplicado, no entanto, o texto ainda precisa ser regulamentado.
O presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), Vander Costa, alerta para a necessidade de aumentar a punição do receptador, ou seja, daquele que adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta mercadoria roubada. A pena para este crime é de um a quatro anos de reclusão, mas dificilmente é aplicada. Segundo ele, “há uma falta de ação do poder público e isso fomenta o roubo de cargas, porque quem compra carga roubada faz isso com frequência mesmo sabendo que é ilegal”, desabafou.
Números alarmantes
Em 2009, 13,5 mil casos de roubos de cargas foram registrados nas estradas brasileiras. O número é 8,15% mais alto do que o registrado em 2008 e o maior desde 2004. De acordo com a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NT&C), 96% dos roubos acontecem à mão armada e apenas 4% são furtos.
Em relação ao local de ocorrência, 70% se passam em áreas urbanas e 30% em rodovias. Quando nas áreas urbanas, a maior parte dos roubos (70%) ocorre no turno da manhã, enquanto nas rodovias a incidência é maior no período da noite (60%).
O estado de São Paulo concentra 57% dos registros, seguido pelo Rio de Janeiro, com 20% dos casos. De acordo com Polícia Federal, a Região Sudeste concentra as ocorrências porque tem intensa produção industrial e grande malha viária, além de grande quantidade de comércio varejista que adquire tais produtos.
Riscos controlados
Muitas empresas adotam medidas para prevenir roubos e furtos de cargas. O assessor de segurança da NTC & Logística, coronel Paulo Roberto Souza, explica que esse gerenciamento de riscos é fundamental para garantir o funcionamento de qualquer empreendimento do setor. “É um conjunto de medidas preventivas complementares às ações do Estado”, salientou. Segundo ele, essas ações têm quatro grandes focos: veículo, depósito, recursos humanos e controle de documentos.
Em relação aos veículos, as medidas são majoritariamente ligadas ao uso da tecnologia, como uso de rastreadores, corta-combustíveis e travamento de portas. Já nos depósitos, o coronel alerta que é importante não só utilizar alarmes e câmeras, mas também treinamento de pessoal com instruções de como agir em casos de assaltos.
Um ponto fundamental para garantir a segurança da empresa, de acordo com Souza, é a seleção dos funcionários. Além de investigar os antecedentes e pedir referências, é preciso treiná-los tecnicamente. Por último, o coronel destaca o cuidado com o uso de telefones celulares e o envio e descarte de documentos de controle interno da empresa. “É preciso evitar o vazamento de informações para não colocar a mercadoria em risco”, ensinou.
Caso de polícia
Escola armada, rastreadores, telefones, alarmes. São vários os instrumentos de segurança privada que podem ser adotados pelo transportador de cargas para minimizar os prejuízos. Porém, o alto custo desses mecanismos gera aumento do preço final do produto. “Fazemos o gerenciamento de riscos, colocando rastreadores nos carros. Mas isso tem um alto custo, que é repassado para o consumidor”, alertou Vander Costa, da Fetcemg.
O presidente da Federação do Transporte de Cargas do Estado do Rio de Janeiro (Fetranscarga), Eduardo Rebuzzi, afirma que a tecnologia e a escolta são eficazes, mas não substituem a ação da polícia. “A maior integração do setor de transporte com a Delegacia de Roubo de Cargas e com o Batalhão da Polícia Rodoviária Federal melhoraram substancialmente a situação Rio”, relatou o presidente, referindo-se a diminuição de ocorrências registradas no estado em abril. Pela primeira vez desde 1994, foram registrados menos de 200 roubos por mês.
Segundo Rebuzzi, a ação da polícia na esfera federal também é fundamental para coibir os roubos. “A parte de receptação e de formação de quadrilha, por exemplo, envolve vários estados e precisa de uma ação maior para ser combatida”, comentou.
A Polícia Federal, por sua vez, afirma que diversos fatores dificultam as investigações, como falta de número de série nas mercadorias e a falta de um banco de dados que concentre todas as ocorrências de roubo de cargas no país, que deve entrar em funcionamento com a regulamentação da Lei Negromonte.
O coronel Souza explica ainda que, ao longo dos anos, a ação do poder público tem dois grandes marcos: a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Roubo de Cargas, presidida pelo senador Romeu Tuma (PTB/SP) em 2000, e a publicação da Lei 10.446/02, que dá amparo legal para a Polícia Federal atuar no roubo de cargas. “Muitos crimes são interestaduais e as polícias estaduais são limitadas às suas competências regionais”, explicou ele.
Outra ação importante, segundo Souza, foi a criação, em 2003, do Núcleo de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para atuar nos estados. “Apesar do maior envolvimento e da eficiência não há estrutura para dar resposta a tantos casos”, constatou. “E isso acontece com todas as polícias”, assegurou.
Iniciativa parlamentar
A Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados realizou, no início de junho, o X Seminário Brasileiro do Transporte de Cargas, que debateu o roubo de cargas. Na ocasião, o presidente da comissão, deputado Milton Monti (PR/SP), disse que a situação precária das estradas é um dos fatores que facilita a ação dos bandidos, pois os caminhoneiros são obrigados a diminuir a velocidade para trafegar. “Houve avanço na manutenção das estradas e na concessão dos pedágios, mas ainda há muito a avançar neste setor”, avaliou o deputado.
Para o presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, o evento teve como objetivo levar para os parlamentares a mensagem das grandes preocupações do transporte rodoviário. “Precisamos de celeridade em virtude da necessidade de crescimento do país”, acentuou.
Tipos mais frequentes
A Polícia Federal identifica quatro formas de abordagem mais comuns nas estradas. A primeira é quando o caminhoneiro é interceptado pelos marginais na rodovia, com o veículo em movimento. Nestes casos, é muito usual os bandidos dispararem tiros para intimidar o motorista e utilizarem mais de um veículo para agir. Outro tipo de ação frequente é quando o motorista é ludibriado a dar carona a uma pessoa aparentemente inofensiva, mas que age em parceria com os criminosos. Por isso, pede ao motorista para fazer uma parada no local em que o roubo será efetuado.
Uma terceira modalidade é abordar os motoristas durante a parada para descanso ou alimentação. A quarta e última modalidade identificada pelos policiais como mais frequente é aquela em que o motorista está envolvido com os criminosos, simulando um assalto.
Segunda, 26 Julho 2010 16:08