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Terça, 10 Março 2020 11:04

Situação jurídica dos motoristas da Uber: empregados ou prestadores de serviços?

 

Desde a sua estreia no Brasil, em maio/2014, assim como já tinha feito em outros países, a Uber revolucionou o modo de locomoção urbano. Seu grande diferencial é a possibilidade de solicitar um transporte de qualquer lugar, por meio de um aplicativo, por um preço inferior ao do Táxi. Atualmente, a empresa está presente em mais de 100 cidades, contando com um faturamento de quase um bilhão de dólares só no Brasil em 2018.

Afora isso, criou uma oportunidade de trabalho para milhares motoristas. O que era para servir como um trabalho provisório ou uma complementação de renda virou a principal fonte de trabalho para 70% dos 600 mil motoristas cadastrados na plataforma, dado a sua atuação por período superior a 45 horas semanais, segundo pesquisa mencionada pelo procurador do trabalho Rodrigo Carelli.

A partir disso, passa-se a analisar o ramo de atuação da empresa, para em seguida avaliar a situação do motorista parceiro, a fim de verificar a possibilidade de reconhecer o vínculo de emprego.

 

 

Uber: Empresa de Tecnologia ou Empresa de Transporte

Oficialmente, a Uber não se define como uma empresa de transporte, aduzindo ser uma empresa de tecnologia. Perante a Receita Federal define como principal atividade econômica a intermediação e o agenciamento de serviços e negócios.

Tanto a intermediação como o agenciamento consiste na situação de um terceiro aproximar duas partes para viabilizar a realização do negócio jurídico. Pela dinâmica do contrato de agência (art. 710 do Código Civil), esse terceiro é que trabalha para as partes envolvidas. Contudo, na situação da Uber, é justamente o contrário que ocorre. Toda a dinâmica do negócio foi desenvolvida e estipulada pela empresa, cabendo ao motorista apenas aderir ou não ao modelo.

Na dinâmica implantada, é o motorista que trabalha para Uber, e não a empresa que está à disposição do motorista. Em verdade, a atuação da empresa vai muito além daquela de ser uma mera intermediadora. A Uber atua como uma empresa do ramo de transportes, devendo assim ser encarada a sua situação.

 

 

Situação do Motorista Parceiro. Autônomo ou Empregado

O contrato de adesão, constando que o motorista é um prestador de serviço autônomo não possui valor absoluto. Cumpre-nos analisar a realidade do caso concreto, a fim de verificar a real situação deste profissional.

A relação de emprego estará caracterizada quando diante de um trabalho prestado por uma pessoa natural, de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada (art. 2º e 3º da CLT), razão pela qual passa a analisar cada um dos elementos.

O trabalho prestado por uma pessoa natural e de forma pessoal fica evidenciado diante da necessidade de cadastro individual de cada um dos motoristas parceiros e da impossibilidade de ceder a conta para terceiros.

A não eventualidade está relacionada à noção de permanência na prestação dos serviços. Estará presente quando não haja espaçamento temporal significativo entre um serviço e outro; a vinculação do trabalhador não tenha ocorrido em razão de um evento específico; a tarefa coincida com os fins normais da empresa; com fixação a uma fonte de trabalho.

Acerca desses requisitos para caracterização da não eventualidade, não é possível afirmar que estará presente em todas as situações. Por outro lado, não é possível afirmar que sempre estará ausente este elemento. É necessário a análise do caso concreto.

A onerosidade decorre de a empresa fixar o valor a ser cobrado do passageiro. Valor este que será repassado alguns dias após a prestação dos serviços, com a retenção de um determinado percentual.

De forma singela, reputa-se presente quando a determinante delimitação do modo de prestação dos serviços pelo tomador, no caso a Uber.

Na presente situação, o motorista não possui liberdade para definir o roteiro e sequer o preço. Embora exista a possibilidade de recusar corridas, é comum relatos de bloqueios temporários de conta, quando a recusa ocorra com frequência maior do que o esperado pela empresa. Além disso, a CLT (art. 452-A, § 2º) prevê que a recusa de não descaracteriza o vínculo de emprego.

Verifica-se ainda que o motorista é avaliado pelo usuário e, com base nessas avaliações, pode ser punido pela empresa. Há código de conduta a ser respeitado.

Na modalidade Uber Confort, o motorista recebe o comando até mesmo se deve ou não conversar com o passageiro.

A inexistência de horários fixos não desnatura a subordinação, a CLT (art. 235-C, § 13) admite essa possibilidade para os motoristas.

Ao contrário do que muitos alegam, o repasse de 75% do valor para o motorista parceiro não induz por si que há autonomia na prestação dos serviços.

Ressalta ainda que o art. 6º da CLT não faz diferenciação entre a subordinação ocorrida de forma presencial e aquela exercida por meios informatizados ou telemáticos.

 

Situação da Uber em outros países

O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, em 2017, que o serviço prestado não se limita a intermediação, devendo ser tratada como uma empresa de transporte.

No Reino Unido, o “Employment” tribunal competente entendeu haver vínculo de emprego entre o motorista e a Uber.

Na Califórnia (EUA), a Comissão Trabalhista já se posicionou pela existência de vínculo empregatício. Inclusive, em 2019, foi aprovada uma lei estabelecendo que os motoristas não são autônomos, passando a ser funcionários da empresa.

 

Conclusão

A empresa Uber indiscutivelmente modificou a forma de realizar o transporte urbano em nosso país. Apesar de alegar ser uma empresa agenciadora/intermediadora entre o motorista e o passageiro, em verdade, constata-se que o ramo principal de atuação é o de transportes.

A previsão contratual de autonomia do motorista parceiro não possui valor absoluto. A análise do vínculo de emprego deve ser realizada à luz caso concreto, sendo possível o reconhecimento do vínculo de emprego.

Por fim, salienta que outras nações também estão lidando com essa situação, havendo o reconhecimento da relação de emprego, por algumas delas.

 

Bibliografia

Delgado, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores — Mauricio Godinho Delgado — 18. ed.— São Paulo :LTr, 2019.

Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 4: contratos / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 2. ed. unificada. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

CARELLI, Rodrigo de Lacerda Carelli. O caso Uber e o controle por programação: de carona para o Século XIX. In LEME, Ana Carolina Reis Paes Leme et al. Tecnologias Disruptivas e a Exploração do Trabalho Humano. São Paulo: Ltr, 2017, p. 132.

Fonte: JOTA

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