De cavalos de raça para a Holanda, frangos para a Malásia e galinhas para o Sri Lanka e Madagascar a peixes ornamentais para a República Tcheca e Hong Kong (na China), o comércio brasileiro de cargas vivas segue em pleno crescimento. Números do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) mostram que o país movimentou mais de R$ 1,2 bilhão em 2017, com a exportação de cargas vivas. Foram mais de 22 milhões de animais. O destaque é para a carne bovina. Somente no ano passado, foram exportados para a Turquia cerca de 200 mil bovinos. Para alguns países da Liga Árabe (Iraque, Líbano, Egito, Jordânia e Emirados Árabes Unidos), houve um aumento expressivo nos últimos dois anos, passando de R$ 273 milhões movimentados em 2015 para R$ 412 milhões em 2017.
Esse tipo de transporte não é uma operação simples. Ele segue regramentos nacionais e internacionais, com monitoramento de profissionais do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) do começo ao fim.
Primeiro, os animais saem dos locais de criação e são encaminhados para um EPE (Estabelecimento de Pré-Embarque), propriedades rurais aprovadas pelo Ministério. No local, veterinários efetuam a verificação dos requisitos sanitários estabelecidos pelo país importador. Atualmente, no Brasil, há 41 EPEs em seis estados. Além disso, é feita a verificação sobre a origem dos animais, voltada à certificação sanitária, e a preparação da carga viva para o transporte.
Esses procedimentos integram a denominada quarentena pré-embarque. Passada essa etapa, os veterinários emitem um documento denominado Aczi (Autorização para Emissão do Certificado Zoossanitário Internacional), que libera os animais para serem transportados.
O caminhão, então, é lacrado pelo veterinário e segue em direção aos portos, onde o veículo é pesado e deslacrado também por veterinários do Ministério da Agricultura. Esses profissionais fiscalizam a transferência dos animais do caminhão para o navio. Se tudo estiver em conformidade com os normativos, os veterinários expedem o certificado zoossanitário internacional para a exportação dos animais.
Regras
O Brasil é signatário da OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) e obrigado a cumprir procedimentos operacionais da organização, regulamentados pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Sérgio Aquino, presidente da Fenop (Federação Nacional dos Operadores Portuários), destaca que o Brasil vem investindo nesse tipo de operação e debatendo avanços na legislação. “O ponto central é a obrigatoriedade do relatório de viagem, já normatizado pela OIE, que tem que ser emitido por um técnico dentro da embarcação e contém tudo o que se passa com o animal, desde a alimentação até os cuidados médicos. Esse item não está normatizado no Brasil.”
O presidente da Abreav (Associação dos Exportadores de Animais Vivos), Ricardo Pereira, frisa que o Brasil segue à risca as normas da OIE. “Não tenho dúvidas da qualidade do atendimento aos animais. O percentual que fica doente é muito baixo. Todos os transportados são examinados. Os estabelecimentos são monitorados e possuem certificação do Mapa”, conclui.
A opinião é compartilhada por Michel Alaby, secretário-geral da Câmara Brasil Árabe. “A indústria brasileira é a maior exportadora de carne Halal (que determina que os animais sejam mortos de acordo com o ritual islâmico) no mundo. Para esse tipo de corte, os animais devem estar em perfeito estado de saúde. Caso contrário, a carne não é consumida. Para este ano, esperamos um crescimento de 10% nas exportações em relação ao ano passado para os países árabes”.
Polêmica
O transporte de cargas vivas tem sido alvo de uma polêmica que se iniciou em janeiro, no porto de Santos (SP), quando o transporte de 27 mil bois vivos para a Turquia ficou suspenso por 13 dias. O Nada – navio que transportaria a carga e o maior já utilizado no país para esse tipo de transporte – só saiu de Santos no dia 5 de fevereiro, após determinação da Justiça Federal.
Durante a espera do embarque, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) multou em R$ 450 mil o terminal Ecoporto, que opera em Santos. A justificativa foi que o embarque de cargas vivas (gado) para exportação foi feito em desacordo com o licenciamento ambiental, pois o Ecoporto está licenciado somente para operar com contêineres. A operação com os animais demanda licenciamento específico.
A empresa, por sua vez, emitiu nota na qual afirmou seguir as legislações e os normativos vigentes relacionados a essa modalidade de embarque.
A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) possui uma resolução geral que disciplina a exploração portuária, mas não traz detalhes sobre a movimentação desse tipo de carga. Também em nota, a agência disse que não há impedimento para esse transporte e que nem é necessário autorização especial, mas que órgãos intervenientes nos portos podem estabelecer critérios. Segundo a agência, de 2010 a 2018, a movimentação de cargas vivas nos portos brasileiros superou a marca de 1,8 milhão de toneladas. Desse total, o porto de Santos movimentou 8.129 toneladas.
Em meio à polêmica, no final de março, a Câmara Municipal de Santos (SP) aprovou um projeto de lei que proíbe o transporte de cargas vivas nas áreas urbanas e de expansão urbana do município. O projeto chegou a ser sancionado pela prefeitura em abril. Mas, no dia 24 do mesmo mês, o STF (Supremo Tribunal Federal) tornou inválida a lei municipal.