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Segunda, 14 Novembro 2016 10:33

Investimentos em infraestrutura terão queda de R$ 25 bilhões

A crise econômica atingiu em cheio o setor de infraestrutura. Levantamento da consultoria Inter.B prevê queda acumulada de investimentos neste ano e no ano passado de R$ 25,4 bilhões em segmentos que vão de energia elétrica e transportes a saneamento e telecomunicações. O valor equivale ao que o país gastou com as obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014, incluindo mobilidade urbana, aeroportos e estádios. Ou pouco mais que o custo para pôr de pé a hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), orçada em R$ 20 bilhões e construída ao longo de oito anos.
Além da recessão, a situação fiscal dos estados e da União e o fim dos ciclos de investimento em algumas áreas — como eventos esportivos e as grandes hidrelétricas na Amazônia — contribuem para derrubar as estimativas para 2016. A Inter.B projeta investimentos, públicos e privados, de R$ 105,6 bilhões para este ano. Será a maior queda anual (14,6%) e o menor patamar em proporção ao tamanho da economia (1,71% do PIB) desde 2003.
Para especialistas, o declínio nas cifras deve levar à piora nos serviços e a restrições de acesso a novas tecnologias. São mais buracos nas estradas, mais horas sem luz e menos definição na imagem da TV ou do celular. Segundo Claudio Frischtak, sócio da Inter.B, para manter a qualidade dos serviços de infraestrutura, é preciso investir no setor ao menos 3% do PIB, algo que o Brasil não faz desde 2002. "A qualidade de infraestrutura, em geral, vem caindo no Brasil. O país não investe o suficiente para manter os serviços, com raras exceções". Menos investimentos, preços mais altos
Ironicamente, em alguns segmentos, a queda nos valores investidos vem sendo acompanhada da alta de preços. Nas projeções da Inter.B, os projetos de mobilidade urbana vão receber R$ 9,1 bilhões em 2016, 32,1% menos que no ano anterior. Nos últimos 12 meses até outubro, as passagens de ônibus subiram 10,75% nas cidades brasileiras e as de metrô, 9,14%, acima da inflação no período de 7,87%.
No saneamento, o descompasso entre quanto o consumidor paga e quanto as empresas investem se repete. A tarifa de água e esgoto subiu 20,62% nos 12 meses encerrados em outubro. No cálculo da Inter.B, os investimentos em saneamento vão cair 3,2% em 2016, para R$ 9,2 bilhões, após terem despencado 23% no ano anterior.
Segundo Pedro Scazufca, da GO Associados, os reajustes nos serviços de água e esgoto devem-se, entre outras razões, a reequilíbrios de contratos obtidos por várias concessionárias no país, em especial devido ao aumento no custo de energia em anos anteriores. Os investimentos, por outro lado, foram, afetados pela crise hídrica em 2015 e pela situação fiscal dos estados, já que muitas das empresas que atuam no setor são estatais.
"Com a dificuldade financeira das empresas, as metas para universalização de água e esgoto podem ser comprometidas. Para que elas fossem cumpridas no prazo (até 2033), seriam necessários R$ 19 bilhões por ano", avalia Scazufca.
Nas telecomunicações, o receio é que os empresários adiem investimentos em novas tecnologias. A recessão afetou as operadoras de telefonia em diversos ramos de negócios: desde as linhas fixas, com o fechamento de lojas no varejo, até as móveis, com empresas cortando celular de funcionários, clientes recarregando menos seus aparelhos pré-pagos e reduzindo o número de chips.
"Houve uma queda de demanda, e as empresas não se sentem estimuladas a investir em novas tecnologias. A TV 4K, por exemplo, de elevado nível de definição de vídeo, deve demorar mais para chegar à sua casa. Você vai ter que se contentar com a definição HD", diz o consultor Hermano Pinto.
A Inter.B estima investimento de R$ 22 bilhões em telecomunicações este ano, recuo de 17% ante 2015. É o segundo ano seguido de queda. A Telebrasil, que reúne as empresas do setor, evita falar sobre o futuro. Atribui a redução dos investimentos no ano passado à conjuntura econômica, à redução nas margens de retorno, ao alto custo regulatório e ao aumento da carga tributária.
O recuo nos investimentos em infraestrutura no Brasil a partir de 2015 ocorre após 11 anos seguidos de expansão. Em 2003, quando houve a última queda, o país também vivia uma recessão, após a posse do ex-presidente Lula. Mas a recuperação veio no ano seguinte, impulsionada pelo superciclo das commodities. Na avaliação de economistas, não há nada que aponte que o superciclo vá se repetir, ao menos no curto e médio prazos. Além disso, a situação fiscal de União, estados e municípios é muito mais grave em comparação a 2003.
"Tudo indica que, em 2016, chegamos ao fundo do poço. Não há capacidade do setor público de investir nem vontade do setor privado. A recuperação dos investimentos será uma mímica da recuperação econômica: lenta", afirma Frischtak.
O economista acredita que só haverá retomada para valer dos investimentos em infraestrutura a partir de 2018. Mas condiciona o movimento à aprovação no Congresso das principais medidas de ajuste fiscal — a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto dos gastos, que limita as despesas públicas, e a reforma da Previdência — e ao sucesso dos leilões. Para Frischtak, o ponto fundamental para atrair investidores será a modelagem. Sobra de energia até 2020
O setor de energia teve seu primeiro teste em outubro, quando foi realizado um leilão para construção de linhas de transmissão. O BNDES não ofereceu crédito subsidiado, como fazia antes, e a taxa de retorno dos projetos foi elevada, despertando apetite dos investidores. Ainda assim, analistas não apostam em forte expansão de investimentos, pois há sobra de energia.
"Há sobra de energia pelo menos até 2020. As hidrelétricas sempre foram o carro-chefe da geração de energia no Brasil, mas não se tomou a decisão política de que vamos continuar a investir nelas", diz Rafael Kelman, da consultoria PSR.
O fim do pico das obras das hidrelétricas na Amazônia — Santo Antônio e Jirau ficam prontas este ano, e Belo Monte, em 2019 — é uma das razões para a queda de 9,3% nos investimentos em energia estimada para 2016. No ano passado, o segmento tinha sido o único na área de infraestrutura que havia apresentado alta, segundo a Inter.B. Ainda assim, o serviço piorou. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica mostram que o brasileiro ficou, em média, 18 horas e 35 minutos sem luz em 2015. No ano anterior, haviam sido 18 horas e quatro minutos no escuro. O balanço de 2016 não está fechado.
No ramo dos transportes, a expectativa para novos investimentos também não é alta, com exceção da próxima leva de privatização de aeroportos. Rodovias e mobilidade urbana costumam ter forte presença de investimento público, o que, na avaliação de Carlos Campos Neto, especialista em infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é um limitador: "O Estado não tem condições de investir, e o interesse do setor privado tem limite. Não há mais tantas rodovias que lhe interessem. No caso dos aeroportos, após a privatização de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, os terminais por onde passam 60% do fluxo de passageiros estarão nas mãos de agentes privados. Não vai sobrar muita coisa que atraia os investidores." Extraído de: Época Negócios
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